quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Poesia - "Habeas-Pinho" (poema ao violão)


POEMA “O VIOLÃO”
"Habeas Pinho": poema que marcou a vida do poeta Ronaldo Cunha Lima (1936-2012)
Em 1955 um grupo de boêmios de Campina Grande fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu… o violão!…
O Poeta, como ficou sendo chamado carinhosamente em toda Paraíba, Ronaldo Cunha Lima sabia e narrava sempre, com sua mente prodigiosa e de forma descontraída, incontáveis “causos” do nosso folclore político e interiorano.
Cunha Lima lançou em concorridas noites de autógrafos, cerca de 15 livros de poesias, muitos versando sobre amor.
Amigos que conviveram de perto com Ronaldo relataram que o poema “Habeas Pinho” foi um marco na vida do poeta. Os versos bem construídos integram o pontapé inicial da carreira jurídica de Ronaldo Cunha Lima.
Documentos revelam que em 1955 um grupo de boêmios de Campina Grande fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu… o violão!…
Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, na época recentemente saído da Faculdade, e que também apreciava uma boa seresta.
Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.
Aquele pedido ficou conhecido como "Habeas Pinho" e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares de praia, no Nordeste Brasileiro.
Eis a famosa petição:
HABEAS PINHO
Exmo. Sr.Dr. Artur Moura, Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!

Um violão, Doutor, que, na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando, assim, suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém, seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua,
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo, pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?


Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza, já, do seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes temos, vem pedir deferimento!

Assinado:
Ronaldo Cunha Lima, advogado.


O juiz  por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular.


Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.

Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.

-  -  -
Peço aos leitores que me perdoem a audácia, mas lendo, comovido, o poema “Habeas Pinho”, digitei de improviso o humilde, despretensioso e desajeitado soneto abaixo, que intitulei:

“A noite, o violão e o amor”

Horas há em que um poema se agiganta e encanta...
E este, creiam, traz uma dessas matreiras surpresas
Que pegam desprevenida uma alma que se levanta
Comovida, ouvindo e segurando lágrimas presas.

Fala um poeta da história sensível de um violão,
Simples e humilde, na grandeza da sua história,
Que se calou numa noite fria e sem coração
Indo parar como réu numa delegacia inglória.

Pois é, amigos, quando um poeta se acumplicia
Com a noite, com um violão, desafiador ao léo,
Todo o Universo a ele se alia e ao triste cantor

Que não foi atendido no seu triste rogo à polícia.
Mas o poeta pede liberdade ao violão, com amor
E é atendido por um bom juiz, por graça do Céu.


4 comentários:

  1. Oi meu querido irmão
    Realmente é muito lindo esse poema
    Que fala tão bem do violão!

    Meus parabéns Euri, gostei muito
    Um abraço bem apertado no seu coração!

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  2. Já conhecia, mas nunca me quedo sem emoção
    Não somente do que foi a petição peripatética
    Do advogado, quanto a sentença do bom juiz poeta
    Que encantou nossa alma e ouvidos em prol do som do violão.

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  3. Muito, muito, muito bom!
    é pra você ver,
    O que as cordas de um violão
    É capaz de fazer
    Com o nosso coração!

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    1. Pois é, caro vizinho: um violão é a chave da porta das emoções, ofertando acordes que iluminam corações, assim como uma noite de seresta, logo se transforma em festa. Seresteiros são sonhadores acordados, em noites de ternura e amor que lhes envia a Lua...

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